sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

mãe sem filha

não há lágrimas piores com mais dores na garganta e aperto no coração e falta de ar do que as lágrimas pela família os assuntos mal resolvidos os ciúmes os desacordos o querer que fiques e deixar-Te partir o querer deixar-Te partir mas querer mais que fiques o querer ter um bebé e quantas em quantidade são as saudades que tenho de quando Tu eras um bebé

e eu de quando Tu me tratavas como um bebé podia gritar por Ti se tivesse pesadelos de noite eras Mãe eu era Filha agora vou sozinha ao médico e às urgências nem sequer me medes a temperatura

e eu de Te tratar como um bebé podias gritar mãe se tivesses pesadelos de noite e eras Filha e eu era Mãe e agora vais sozinha ao médico e às urgências nem sequer te meço a temperatura

e deixares que eu emigre

e deixar-Te emigrar


e estares velha hoje a morte chegou-me e foi por ler o passado e o medo nem me deixa dormir e nem penso mais em cerveja nem no amor e ainda gosto mais do pai do que de Ti mas se gosto mais do pai logo sinto quantidade tal de saudades Tuas que penso que gosto mais de Ti e de repente fico aliviada por me lembrar que não é coisa para se decidir
que foda isto de ter de Te enterrar

que foda isto de teres de me enterrar
Tu precisas de tanto e tantos assim não Te aguentas
dêem-lhe amor coitada
e estares assim tão jovem quase velha tão mais feia tão mais magra que gorda a ler o passado e deixar a morte chegar-Te ao tutano no medo do medo


cantavas tanto perdeste o pio querias um filho meu que fosse Teu neto mas eu quero que continues a cantar-me “naquela linda manhã” e eu estava mesmo a brincar no jardim e Tu chamaste-me mesmo e disseste-me assim “não andes só a correr tropeças sem querer se cais ficas mal” e eu que tão prontamente “respondi pronto está bem depressa porém esqueci-me de tal” lembro-me depois como foi “tropecei caí no chão no joelho” muito mais que um dói-dói no nariz quanto mais mas mesmo muito mais que um arranhão e desde então que procuro ser melhor por se ser mau é-se infeliz “faço agora tudo o quanto a minha mãe me diz”

não fazes nada do que eu Te digo não vês pelos meus olhos as coisas que são de ver e eu se pudesse foda-se deixava-Te ver pelos meus olhos para não teres esses olhos tristes "menina dos olhos tristes" dizem as pessoas na festas na casa grande vazia de mais por grande de mais eu queria uma casa mais pequena e queria-Te mais perto só para me lembrar de mim jovem como Te invejo

aí aí aí que me dói a vida dói-me no joelho e no nariz dói-me no vazio dói-me a vida no vazio e é por isso que nem consigo pôr os pés no chão porque se sinto a gravidade então é que está tudo fodido é melhor ficar na cama é por isso que chamo por Ti mãe mãe olha esta lágrima clara não é de sangue de sangue sou eu que sangue meu será Teu
mãe aí aí aí que me dói a vida aí aí aí que não quero o Teu colo não quero o Teu abraço que “quanto é doce quanto é bom” mãe olha este não-abraço olha esta não-criança olha este longe olha este perder de tudo antes de ganhar antes de pôr olhos noutros olhos olha eu a sair pela janela e não “vou com os pássaros”
olha eu a enterrar-me antes de Ti mãe

olha Tu a enterrares-te antes de mim

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